"A contradição da verdade conhecida por tal: andei muito tempo sem saber quem era o «tal», mas depois soube e ri-me. Durante dias e anos julguei que o verbo incarnado era o verbo encarnado, e a prova de que o meu universo religioso era vago e esotérico é que a minha fé não sofreu alteração no dia em que o verbo deixou de ser vermelho e passou a assumir a nossa humanidade e a morrer numa cruz. Com o estudo da apologética a coisa piorou um pouco porque, a meu ver, os heréticos tinham quase sempre razão. A metafísica era, naquele contexto, a mais acabada manifestação de onanismo mental, porque ficávamos imensamente estafados e contentes depois de uma aula a falar no «ser enquanto ser», no «ser em si», no «ser em lá», no «ser em dó», sem que nada ficasse a ganhar com isso além da nossa satisfaçãozinha pessoal."
António Alçada Baptista, Peregrinação Interior, vol. I, 8.ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1999, p. 42.